Escuta mal explicada

in Record
PRIMEIRA SESSÃO DO JULGAMENTO DE MARTINS DOS SANTOS COM PONTAS SOLTAS

"Alguma vez falou com dirigentes antes ou após os jogos?", perguntou o procurador Paulo Jorge Ferreira a Jorge Coroado, uma das testemunhas arroladas na primeira sessão do julgamento em que o ex-árbitro Martins dos Santos e o ex-dirigente do Conselho de Arbitragem da FPF António Henriques são arguidos. Na qualidade de perito que analisou as imagens do jogo Marítimo-Nacional, da época de 2003/2004, que os visitados venceram por 2-0, o agora comentador de arbitragem abriu o livro.
"Depois dos jogos só telefonava para casa e em 30 anos de arbitragem apenas dois dirigentes me ligaram, um deles, da I Liga, no sentido de cair nas boas graças e para que determinada equipa conseguisse um bom resultado, mas o que lhe respondi não pode ser aqui reproduzido," respondeu Coroado, que fez sentir que há pessoas "que não respeitam a ética".
Tudo isto veio a propósito de um telefonema de Martins dos Santos para António Henriques - antigo presidente do Marítimo - a seguir ao jogo em questão, no qual o primeiro dizia que tinha sido "complicadíssimo". Nessa conversa, diz: "Os gajos queriam um penálti mas eu mostrei-lhes um cartão amarelo..." Isto a propósito de uma reclamação dos nacionalistas. "Antes de tudo o mais, isto que ouvimos é eticamente censurável", acentua a juíza Manuela Sousa.
Na primeira sessão viram-se imagens do jogo e Lourenço Pinto, advogado de Martins dos Santos, tudo fez para lançar a dúvida sobre alguns erros apontados pelos peritos que terão beneficiado o Marítimo, nomeadamente o lance que deu origem ao primeiro golo. Que nasce de uma falta sobre a direita por pretensa mão na bola, com Pepe a surgir a marcar, segundo os três peritos (Jorge Coroado, Vítor Pereira e Adelino Antunes) em posição de fora-de-jogo.
Lourenço Pinto, que é também presidente da Associação de Futebol do Porto, quis dar a entender que o árbitro não estaria bem posicionado e que competia ao árbitro assistente, João Santos, assumir as duas decisões. "É um lance que merece muita discussão", acabou por considerar Vítor Pereira, também "apertado" pela juíza e sem conseguir explicar a posição de um jogador do Marítimo que nas primeiras imagens surge a fazer barreira ao livre e que depois desaparece dos fotogramas. Facto muitas vezes sublinhado por Lourenço Pinto.
Vítor Pereira foi convidado ainda pelo procurador Paulo Sérgio Ferreira a explicar uma conversa de Martins dos Santos com António Henriques após o jogo, na qual dizia que o jogo tinha sido "complicadíssimo". Expressão que disse não o chocar e que o MP entendeu ser mais uma prova de que Martins dos Santos acedeu ao pedido de Henriques e beneficiou o Marítimo.
"O que é que um vogal do Conselho de Arbitragem podia fazer por Martins dos Santos?", questionou-o ainda, em estilo bastante acutilante, Lourenço Pinto. "Não estou a vislumbrar o que pudesse fazer...", reagiu Pereira, sempre na defensiva. "Na qualidade de dirigente da arbitragem, seria capaz de prometer a subida do filho de algum árbitro", insistiu o procurador. "Não promete, não!", atirou logo o presidente da Comissão de Arbitragem da Liga.
Lourenço Pinto entrou em cena de novo para ter uma reacção forte e frisar que a inicial contrapartida que seria a promoção do filho de Martins dos Santos, Daniel, desapareceu no despacho de pronúncia. "Esta situação foi lançada por lapso na acusação", salientou.
De tarde, foi ouvido Adelino Antunes. Audição rápida destacando-se apenas a análise que fez ao perfil de Martins dos Santos. "Era um árbitro que corria mais do que a bola", disse.
Seguiu-se Jorge Coroado e as coisas aí animaram. O agora comentador de arbitragem, que se mudou de Oeiras para a Covilhã, começou por dizer que as imagens da TV "nem sempre são fiáveis" e foi por aí que a juíza desvalorizou o resultado das perícas, considerando que o que está nas escutas é que será decisivo.
Francisco Taboada, amigo de António Henriques, com quem teve conversas que foram escutadas, também foi ouvido e a quem Henriques prometeu fazer sócio se o Marítimo ganhasse. "Liguei-lhe quando soube que o Maritimo estava a ganhar por 2-0 a dizer-lhe que tudo estava a correr conforme o combinado, mas disse-o num tom de brincadeira", explicou parte dessa conversa que o MP relevou. "Até estava a falar alto, não estava a falar em tom de segredo...", acrescentou.
"Mas ninguém falou aqui em tom de segredo, infelizmente as transcrições telefónicas têm grandes defeitos e não transmitem emoções", desabafou. "Então, não passou de uma brincadeira, foi?", insistiu o magistrado. "Sim", respondeu Taboada, que confessou ter-se arrependido dessa conversa, tal como alguns dos seus amigos se arrependeram de conversas que tiveram com Henriques. "Foi quando rebentou o Apito Dourado, tememos pelas interpretações...", justificou.
Também foram ouvidos os árbitros assistentes João Santos e António Neiva, poucos expressivos nas suas declarações e a negarem qualquer tipo de solicitação de Martins dos Santos no sentido de se conseguir um benefício do Marítimo.
Autor: EUGÉNIO QUEIRÓS

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